sábado, 8 de novembro de 2008

Reforma Ortográfica

Olá! Depois de um tempinho sem postar nada, vamos reanimar a nossa curiosidade de estudantes. Selecionamos dois textos com opiniões sobre a reforma ortográfica. Esperamos que, a partir da leitura de ambos, possam surgir boas discussões.

BOBAGENS SOBRE O ACORDO ORTOGRÁFICO "E deixe os Portugais morrerem à míngua..." - Caetano Veloso
Marcos Bagno - Maio de 2008 - www.marcosbagno.com.br
Quando o assunto é língua, praticamente tudo o que aparece na mídia é equivocado, distorcido. Pululam atualmente, por exemplo, bobagens a respeito do acordo de unificação ortográfica que entrará em vigor nos países de língua oficial portuguesa. Vamos ver as mais graves.
Bobagem no 1: falar de "unificação da língua". O acordo prevê apenas uniformização da ortografia, isto é, do modo de escrever em português. Quem fala "mêzmu", "mêjmu", "mêijmu", "mêhmu" etc. vai continuar falando como sempre falou, mas só pode escrever mesmo. Nenhuma ortografia de nenhuma língua do mundo dá conta do fenômeno da variação, que é da própria natureza das línguas humanas. Por isso mesmo os Estados sentiram a necessidade política de fixar, por lei, um modo único de escrever. Mas não existe lei que uniformize os modos de falar, porque isso é impossível, tanto quanto é impossível uniformizar a cor da pele, dos cabelos ou dos olhos das pessoas - falar faz parte da nossa configuração biológica. Só nazistas podem pensar em uniformizar as pessoas em suas características físicas. E é também um quase nazismo querer que todas as pessoas falem de um modo uniforme, considerado o único "certo", só porque a classe alta, minoritária e branca fala assim.
Bobagem no 2: falar de "reforma" ortográfica. O acordo prevê apenas a unificação das duas ortografias atualmente em vigor (a brasileira e a portuguesa), eliminando os poucos aspectos que diferenciam as duas normas. São tantas as discrepâncias entre o que se fala e o que se escreve que, para criar uma ortografia minimamente próxima da fala, mesmo incorporando só o que é comum a todos os falantes de português no mundo, a reforma teria que ser tão radical que desfiguraria a tradição escrita da língua e perturbaria a transmissão do patrimônio cultural escrito em português. Por isso o inglês e o francês se escrevem do mesmo jeito há 500 anos. A escrita não é, de jeito nenhum, um retrato fiel da língua falada, nem tem como ser. Ela é uma mera convenção para registrar a língua, convenção baseada em critérios históricos, políticos, culturais, de classe social, muito mais do que em considerações propriamente lingüísticas.
Bobagem no 3, decorrente da no 2: dizer que a reforma é "tímida" ou "meia-sola" (como disse um "professor de português" que brilha na mídia, só para confirmar seu despreparo para tratar do que quer exija uma análise um pouco mais bem fundada). Se não existe "reforma" nenhuma, como é que ela pode ser "tímida"?
Bobagem no 4: achar que o acordo não tem importância. Tem importância, sim, e muita, porque o que interessa no acordo não é a ortografia em si, mas o papel político que o Brasil tem a desempenhar na comunidade lusófona. Portugal, infinitamente menos importante que o Brasil no cenário político e econômico mundial, se recusa a ver que quem lidera a lusofonia, hoje, somos nós. O PIB brasileiro é o 8o maior do mundo; o de Portugal é o 41o... Só na metrópole de São Paulo tem mais falantes de português do que em toda a Europa! Defender o acordo de uniformização ortográfica é defender essa liderança, é exigir que Portugal pare de se arvorar como fonte "original e pura" de irradiação do português e de decisões internacionais acerca da língua. O português que conta hoje, no mundo, é o nosso. E os portugueses que enfiem sua viola no saco e parem de ter saudades de um império que começou a ruir em 1808, senão antes...



Cristovão Tezza

Nós e os turcos

Publicado em 04/11/2008 no jornal Gazeta do Povo

Como o Brasil inteiro está deitando e rolando sobre a reforma ortográfica, também vou tirar minha casquinha. Ao contrário da maioria, gosto de reformas – e especialmente das ortográficas, que são raras. A escrita é uma convenção arbitrária, e de natureza política (a “letra da lei”), que pode perfeitamente se adaptar aos tempos. A reforma mais radical de todas foi feita na Turquia por Mustafá Kamul Ataturk (1881-1938), que determinou, numa penada, que a língua turca fosse grafada no alfabeto latino, e não mais pelos sinais árabes. Do ponto de vista da língua, nenhum problema: os turcos continuaram falando turco até hoje, como os brasileiros continuariam falando a língua que falam mesmo que se determinasse a nossa escrita em caracteres chineses. Mas a importância simbólica foi notável – a escolha do sistema de escrita representou uma afirmação em favor do Ocidente, decidindo sobre uma tensão que até hoje bate no coração da Turquia.
No Brasil, depois de séculos erráticos ao sabor de uma etimologia muitas vezes mal digerida (os ll, mm, ph, th que atravancavam a escrita nem sempre tinham fundamento histórico), as reformas de 1932 (de comum acordo com Portugal, que aboliu o trema já nessa época), de 1943 (em que o Brasil voltou atrás em muitos pontos) e de 1971 (suprimindo os célebres acentos diferenciais) deram uma boa modernizada à grafia da língua. Nesse ponto, o fato de o português ser uma língua periférica que ninguém conhece nos ajuda; temos uma liberdade que a língua inglesa, por exemplo, jamais terá.
A melhor reforma ortográfica do Brasil foi idealizada por Monteiro Lobato, nos idos de 1920. Fundador de várias editoras importantes no mundo editorial brasileiro do século 20, Lobato arregaçou as mangas e fez sua própria reforma, publicando todos os seus livros de acordo com ela. É um ato de coragem pessoal diante da convenção legal da escrita sem precedentes. Desprezou até mesmo a reforma de 1943. Brincava a respeito, dizendo que o triunfo da civilização de língua inglesa sobre o mundo se devia ao fato de os ingleses não acentuarem palavras: “O tempo que os franceses gastaram em acentuar as palavras foi tempo perdido – que o inglês aproveitou para empolgar o mundo”. Quem tiver em casa edições mais antigas de Lobato pode conferir: ele aboliu todos os acentos das proparoxítonas e acabou com o acento grave (marcava a crase, que manteve, com o acento agudo), entre outras boas ideias. E declarava, grafando ao seu modo: “A aceitação do acento está ficando como a marca, a carateristica do carneirismo, do servilismo a tudo quanto cheira a oficial”.
A atual reforma tem função exclusivamente política: a unidade de grafia dos países oficialmente lusófonos. É apenas sob essa perspectiva que a questão merece ser discutida, contra ou a favor. O resto é quirera. A propósito: esta crônica está redigida pela nova ortografia. Alguém notou?

Cristovão Tezza é escritor.


Bom, é isso. Até a próxima.

1 Comentários:

Blogger Madrine Perussi disse...

Ótimo. Excelente assunto. Um assunto que aposto muitas pessoas ainda têm dúvidas, afinal como mostrou Marcos Bagno, no texto ali citado, há ainda muitas questões equívocadas a respeito dessa "nova" ortografia. Os textos colocados a nossa dispósição, se completam, afinal, é óbvio que não mudaremos nosso jeito de falar, porque não escrevemos como falamos. E as variações estão ai para provar isso. Pois bem, cabe a nós enteder e aceitar essa ortografia, sem deixar de pesar os prós e os contras. É um assunto que vai render muito ainda.

Por enquanto é isso.
Um abraço.
;)

8 de novembro de 2008 às 14:23

 

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